domingo, 22 de maio de 2011

Diário(s) - 10ºAno



Três das características fundamentais dos diários escritos sem perspectiva de publicação são a fragmentaridade, a espontaneidade do discurso e transgenerecidade. Tendo em conta estes três aspectos, propus aos alunos que assumissem, através da escrita, identidades fictícias, e que lhes dessem corpo através da escrita de uma entrada de diário (que poderia ser mais ou menos narrativo, mais ou menos intimista). Visava-se apenas o eco de uma voz sem corpo, consumado na página como um clarão; como uma parcela de uma vida apenas imaginada.
Os textos apresentados primam pela diversidade de propostas oferecidas, mesmo quando a identidade fictícia é a mesma. Tudo resulta da capacidade de abandonarmos momentaneamente a nossa linguagem, para sermos, momentaneamente, outros – e assim crescermos em compreensão daqueles que nos rodeiam.


Hélder Moreira


...




1.


30 de Fevereiro de 1999

Querido Diário,
Tenho andado aos encontros e pisadelas por cima de mim mesmo. As palavras já não me respondem. E, sabes, as pessoas também são as palavras que usam. Por isso, de que me serve elaborar uma longa e inútil lista do que eu sou ou do que julgo ser? Eu sou eu embora já não seja eu, porque o que fui foi. Mas… São as palavras que me servem de espelho. Só nelas posso desvendar a minha face. Voltem! Falem comigo! Abracem-me! Façam-me feliz! Levem-me onde quiserem. Quero-vos! Por agora, o meu único trabalho é não entristecer. Finjo. Sou poeta e só sei fingir. Onde estará o valor das palavras que se dizem leais e, depois, se traduzem em traição?
Possivelmente, este episódio sorumbático da minha vida justifica-se pelo facto de ter brincado com ela e depois a ter perseguido. Cheguei a atirá-la ao ar e depois transformei-a, deixa-a escapar e voltei a capturá-la, cobria-a de fantasia e dei-lhe asas de paradoxo.
Quero voltar ao tempo em que os meus dedos se sentiam cansados (de tanto escrever) e só lhes apetecia viver – o cérebro desligava-se e eu gozava a vida exclusivamente pelos sentidos.
Sabes que mais? A minha prioridade é ser e não parecer. Aqui está a minha alma preta, a minha alma escrita.
Diana Balbino, 10ºD



2.


12 de Julho de 1974


Acordei, mas sentia-me leve. Muito leve. Como se não tivesse alma que me suportasse. Olhei pela janela e apenas vi nuvens. Nuvens brancas. Naquele momento, não senti qualquer tipo de motivação. Sentia-me morto. Não me desperta particular curiosidade o que outrora fui. Preocupa-me, sim, o que vivo e sou agora, o que consigo seleccionar melhor da minha escrita. Essa escrita que me deixou. Sem querer ser voluntariamente irónico, a vida que me é proporcionada hoje não me oferece muitos momentos de inércia e a sensação de “deserto” aparente não existe. A rotina, os hábitos implementados, as relações interpessoais e as suas envolvências, as obrigações que me exigem, os problemas e a rapidez com que tudo tem de ser executado, estão a absorver a minha capacidade de interiorização. Talvez.
Sinto que, hoje, as trevas estão comigo e me levaram o que de melhor tenho. Como quem me arranca o coração, a minha inspiração esvaiu-se em sangue. Que dor esta… Sem qualquer propósito, encontro-me num espaço amplo sem oásis à vista. Estático no tempo. Entristeço-me como folhear das páginas brancas da minha criatividade. Sem justificação aparente, identifico-me com esse isolamento fictício em que vivo. No meu deserto preenchido. Que as intempéries me desviem de caminhos tortuosos e me conduzam a bons portos. Que os ventos me agitem e me acordem quando a minha imaginação for assolada por pesadelos. E que as estrelas, na noite silenciosa, me acompanhem e sejam a minha inspiração para dar corpo a estas folhas puras.
Filipa Barbosa, 10ºE



3.




Póvoa, 16 de Março (Quinta-feira)

Já passaram quase três semanas e eu lembro-me de todos os pormenores como se tudo tivesse ocorrido há apenas 5 minutos. É como se desde então desperdiçasse todos os meus segundos a reviver aquele momento, aquele exíguo momento que transformou a minha vida. É terrível!
O pânico que senti enquanto rasgava o ar, a insegurança após o acordar, o pudor que todos aqueles olhares atribulados causaram em mim ao me verem prostrada no chão. São agora instantes enclausurados em mim. E o medo de adormecer, de mergulhar mais uma vez nestas recordações, permanece, assíduo e inalterável, todas as noites, sem excepção.
Mas hoje, pela primeira vez, arrisquei. Arrisquei voltar a fazer aquilo de que mais gosto, na esperança de recuperar o meu mundo e terminar com este pesadelo. Porém, enquanto elevava, vagarosamente, o meu corpo do solo, aquelas imagens reapareciam na minha mente, o meu coração acelerava e o terror invadia-me. Fracassei. Mais uma vez. E começo a acreditar que se torna cada vez mais inatingível a reconquista da minha vida. Sinto o meu mundo a converter-se numa utopia. E tudo isto está a desmoronar-me e a conduzir-me a um universo de questões para as quais não encontro resposta.
O que será de mim se não conseguir superar este drama? O que farei o resto do meu tempo? Longe daquele trapézio, sinto-me envolta num vácuo que me consome. Serei capaz de alguma vez voar sobre este nefasto episódio que se interpôs entre mim e a minha verdadeira vida? Ou terá sido esta queda algo mais do que um pavoroso sobressalto?
Daniela Santos, 10ºC



4.


Pequim, 8 de Janeiro de 2002

Para quem escrevo? Ou melhor… Porque escrevo sobre mim, quando tenho a perfeita noção de que não sou tema para um bestseller?
No entanto, escrevo. Escrevo para ninguém… Escrevo da mesma forma que falo, com o único objectivo de me expressar e com uma única diferença: quando falo, as quatro paredes que me rodeiam ouvem-me. Escrevo, porque quero passar o mais velozmente possível o pouco tempo que ainda me resta… Não vale a pena poupar os segundos ou fazê-los render, porque é inútil e só tornaria esta espera ainda mais sofrida e miserável.
Não quero tornar a minha escrita enfadonha, mas as circunstâncias forçam-me a contar-vos como cheguei até aqui. Prometo que serei breve nos relatos. – Meu Deus! Sinto-me como se tivesse enlouquecido. Afinal de contas, é como se estivesse a conversar com um amigo imaginário. – Mas prosseguindo: Há um ano, eu e um grande amigo meu, Jack Smith, chefiávamos um escritório de advogados quando nos surgiu um novo cliente, pedindo que o ilibássemos de umas acusações graves que o identificavam como cabecilha de uma rede de tráfico de órgãos (como era óbvio, as acusações eram verdadeiras) e, infelizmente, o Jack envolveu-se demasiado no caso, acabando morto e eu incriminado pela sua morte.
Tal como o meu pai havia dito, nunca devia ter partido de Los Angeles.
No entanto, e para vos ser sincero, não me sinto revoltado ou deprimido por estar aqui sozinho, por não ter notícias da minha família, por me sentir injustiçado, ou por saber que vou morrer amanhã… Esse tempo de fúria e de tumulto já lá vai; há muito que me conformei com a morte. Já passei por todas as fases que possam imaginar: já questionei a minha existência; já me perguntei porque estudei tantos anos para defender outros seres humanos, se ninguém se deu ao trabalho de acreditar na minha inocência; e também passei dias e dias a pensar: “Porquê eu?” Com tantas pessoas no mundo, porque tenho de ser eu a sofrer?
Pensei em tudo, porque tive tempo… muito tempo! Mas agora já nada me afecta, as minhas lágrimas secaram, congelaram, simplesmente deixaram de cair.
Confesso-vos: só existe um pensamento que é capaz de derreter todo o frio em que me transformei, e só existe uma lembrança capaz de me manter nesta condição de ser humano. É ao lembrar-me dela, da minha noiva, que o meu coração dispara. Era capaz de passar as últimas horas da minha vida a pensar no sorriso, na voz e nos olhos dela… Se pelo menos amanhã eu pudesse ter a oportunidade de só por mais uma vez, uma só vez, tentar decifrar todo o mistério nos seus olhos, eu seria feliz.
Aqui, sozinho, sem ela, eu congelei.
O meu nome é William Parker e, sem ela, morrerei amanhã.
Bianca de Magalhães, 10ºD




(Textos enviados por Hélder Moreira)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

terça-feira, 3 de maio de 2011

Matilde - "Felizmente há luar!"







Na voz de Matilde habitam as ideias e os valores do General Gomes Freire de Andrade, mas delimitados pelos contornos a que o próprio amor obriga. A voz de Matilde é o eco de uma voz ausente que protagoniza toda a peça. É na voz de Matilde que se partilha os ideais do General Gomes Freire de Andrade e é também na voz de Matilde que nasce o carácter heróico do general.

Esboça-se assim uma personagem que reúne fragmentos de coragem, de justiça, que deseja um movimento inquietantemente sincero e grita liberdade. Uma personagem a quem o amor por amor ilude, e faz dos ideais nobremente defendidos, vigaristas que balançam ora para lá, ora para cá - " Não seria mais humano, (...), ensiná-los, de pequeninos, a viverem em paz com a hipocrisia do Mundo". Perde (por momentos) a vontade de acreditar em valores honrosos, porque foram eles que fecharam as portas da cela em S.Julião da Barra. Mas não é por isso que perde a voz e grita: " O meu homem, o meu homem". Perde a vergonha, para que outros governadores do reino a utilizem contra ela, e suplica clemência. Mas continua: " O meu homem, o meu homem". Desafia o Deus que a terra criou "pois que vá abrir as do forte de S.Julião da Barra, se é capaz", dispõe-se a mendigar, pede ao povo o que um dia o povo lhe pediu a ela, chora. Mas continua: " O meu homem, o meu homem". Ouviu chamarem-lhe amante. Assistiu à morte aproximar-se e aprendeu que ela não lhe trazia o fim, mas lhe dava o braço do General, um olhar à saia verde, e um início de mudança.

Matilde de Melo, mulher do General Gomes Freire de Andrade, perdeu quase tudo (e não foi na guerra), mas entre a violência dos homens.

Teresa Stingl